sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Câmaras podem travar privatização da Águas de Portugal


As dívidas das câmaras municipais à Águas de Portugal (AdP) são um dos entraves à privatização do grupo - mas não o único, já que as autarquias podem impedir a venda das empresas municipais e multimunicipais. Os acordos firmados com a AdP dão-lhes a possibilidade de comprar mais 2% nestas empresas, onde actualmente a relação de forças é de 49% para 51%. E está previsto que haja um acordo prévio destes parceiros a qualquer tipo de venda.

A Associação de Municípios para a Gestão da Água Pública (AMGAP), que agrega 21 autarquias alentejanas, deu o pontapé de saída na contestação à privatização. E já pediu uma reunião à nova ministra do Ambiente para renegociar a participação das empresas que as autarquias que representa detêm em parceria com o grupo AdP. José Maria Pós de Mina alertou para o facto de a privatização total ou da maioria do capital da AdP pôr "em risco" a parceria com o Estado.

Os 21 municípios do Sul do país criaram uma parceria com o Estado em 2009 com o objectivo de investirem 227 milhões de euros até 2014 num sistema integrado para melhorar e gerir o abastecimento em alta e o saneamento de águas residuais nos concelhos. A parceria com a AdP abrange 14 municípios de Beja, quatro de Évora e três de Setúbal.

Esta primeira reacção ao anúncio do primeiro-ministro, Passos Coelho, de alienar 49% da AdP, deverá ser acompanhada de muitas outras. É que a questão do preço da água, antes de ser financeira, é sobretudo política. Trata-se de privatizar o acesso das pessoas a um bem fundamental. E qualquer aumento pode retirar votos e as próximas autárquicas que são já em 2013.

O executivo pretende que as vendas totais das empresas públicas a privatizar gerem um encaixe de 5 mil milhões de euros. A AdP não estava no lote inicial das privatizações, exigidos pela troika, tal como a RTP, mas consta agora do grupo definido pelo ministro das Finanças, que inclui também a ANA - Aeroportos de Portugal, a TAP, a CP Carga, a Galp, a EDP, a REN, os CTT e o ramo segurador da CGD.

Desvios  
A difícil gestão política das parcerias com os municípios não é o único obstáculo à venda da Águas de Portugal. A empresa tem desvios estruturais e recorrentes dificuldades na recuperação dos investimentos, valores que certamente influirão no preço pelo qual será vendida. Em 2010, o saldo negativo atingiu 175,5 milhões de euros, que resultaram de 310,8 milhões relativos a défices relativos aos serviços de águas e 135,3 milhões de superavit noutras áreas de negócio do grupo, como a produção de bioenergia e a incineração de resíduos.

Esta diferença entre défices de exploração negativos na área central de negócios e superavits em outras áreas tem vindo a crescer: em 2009 o desvio negativo foi de 137,6 milhões de euros e em 2008 de 105,2. Esta realidade tem pesado sobretudo nos novos investimentos, que têm sofrido abrandamentos significativos.

As dívidas dos municípios à Águas de Portugal explicam a evolução negativa das contas consolidadas do grupo. No final de Maio, o montante era já de 380 milhões de euros. Isto significa que, pese os acordos pontuais de recuperação das dívida que estão a ser celebrados entre a holding e as autarquias, o buraco aumentou 22,58% em menos de seis meses. Até ao final de 2011, o cenário deverá piorar de forma acentuada.

Na base destas dívidas está a diferença colossal entre o que as câmaras cobram aos seus munícipes e o que pagam à AdP. No caso das águas, o diferencial é, em média, 80%, nos lixos 60% e nos resíduos sólidos 25%. Loures, que encabeça a lista de devedores à AdP, com 12,1 milhões de euros em atraso, reviu recentemente as tarifas que cobra aos seus habitantes, aproximando-as do preço real, mas não permitindo ainda a recuperação do que está para trás.

De acordo com uma fonte contactada pelo i, se cada munícipe pagasse em média mais um euro por mês na factura de água, este diferencial poderia diminuir substancialmente a médio prazo. "Mas uma coisa é as câmaras cobrarem mais aos seus munícipes, outra, bem diferente, é pagarem à AdP", referiu outra fonte ligada ao processo. "E há também que ter em conta que em certos casos o preço cobrado pela água é inferior ao custo do próprio envio das facturas."



Venda
Em cima da mesa existem pelo menos dois cenários para a privatização já anunciada pelo executivo. Um contempla a dispersão em bolsa de 49% do capital da holding e a segunda passa por vendas directas de várias empresas do grupo - que teriam de ser constituídas antes da venda -, através de concurso.

Esta segunda hipótese levará mais tempo a concretizar-se, mas abre portas a que algumas das grandes empresas nacionais, que actualmente atravessam dificuldades, ganhem músculo financeiro para conseguirem concorrer em condições de igualdade com grandes grupos de outros países. A dispersão em bolsa será aquela que mais penalizará a compra por parte de capital nacional.

Até 2013 estão previstos investimentos em baixa da ordem dos 2,2 mil milhões de euros. Estes montantes destinam-se sobretudo à gestão do ciclo urbano das águas para atingir os níveis de atendimento da população projectados em abastecimento de água e saneamento de águas residuais. 

Fonte: ionline

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